“Lupa, Li o texto acerca do possível beijo gay em América. Como sempre, você escreve bem e com humor. Gosto de ler, de verdade. Mas penso um pouco diferente de você (e essa opinião está expressa na crônica “Homens”, deu meu livro “Ainda Lembro”).

Acho que o beijo entre os personagens fictícios, se bem conduzida a trama que os envolve, não vai chocar a ninguém, nem mesmo às avós. Gratuito e associado a todos os clichês de homossexualidade historicamente presentes na mídia, ele seria rejeitado e, talvez, chocasse os telespectadores. Mas exibido como o fruto de um amor entre pessoas que se respeitam e que têm, como qualquer ser humano, o direito de amar e ser feliz, esse beijo será aplaudido. Mostrá-lo talvez seja até didático moral e eticamente, pois trataria- se de tirar a peneira da frente do Sol, uma vez que senhoras idosas e adolescentes sabem que homossexuais existem e, como todo ser humano que deseja, eles beijam na boca. O silêncio em torno das práticas amorosas homossexuais (em quase nada diferentes das práticas heterossexuais) é uma maneira de matar simbolicamente os gays, pois, já dizia o filósofo da linguagem e semiólogo Umberto Eco, aquilo que não tem representação em palavras ou imagens não existe.

Os gays, como todos os seres humanos, querem existir. A prova de que, bem conduzida a trama, o beijo será aceito é que novelistas como Manoel Carlos, Miguel Falabella, Gilberto Braga e Agnaldo Silva conseguiram emplacar cenas entre homossexuais que arrancaram elogios do grande público. Agnaldo Silva, então, conseguiu emplacar vários selinhos entre Leonora e Jenifer e uma cena linda de uma noite de amor entre as duas. Por tudo isso, sou a favor do beijo na novela. Mas se o beijo não vier por pressão daqueles que não o querem, consolo-me com o poema de Drummond que diz: “Amar. Amar a nossa falta mesma de amor. E, na nossa secura, amar a água implícita, o beijo tácito e a sede infinita”. Um beijo.”